segunda-feira, 17 de dezembro de 2012

A luta pela PUC





        No início da noite do dia 30 de novembro deste ano, em frente ao prédio da reitoria no campus Perdizes, estudantes, professores e funcionários da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) vestidos de preto velaram o enterro da democracia na universidade. O protesto simbólico foi realizado contra a decisão do Grão-Chanceler da PUC-SP, Cardeal Odilo Pedro Scherer, de não reconhecer a sentença do Conselho Universitário (Consun), no dia 28 do mesmo mês, de suspender a lista tríplice enviada a Fundação São Paulo (Fundasp) antes das eleições deste ano.
A universidade, nesse período, estava em greve geral, iniciada no dia 13 de novembro de 2012, devido à escolha do Grão-Chanceler de nomear a professora do programa de Pós-Graduação em Língua Portuguesa, Anna Cintra, para assumir a reitoria nos próximos quatro anos. Cintra perdeu a eleição que ocorreu entre os dias 27 e 31 de agosto - a qual conta com a com a participação de alunos, professores e funcionários. A decisão de dom Odilo Scherer mobilizou a comunidade por ter ferido a tradição democrática da PUC-SP, na qual, apesar da existência da lista tríplice e da liberdade do cardeal em nomear quem quiser dessa lista, há pelo menos 30 anos o vencedor das eleições era o escolhido para a reitoria. Nesta eleição, o primeiro lugar ficou com o ex-reitor, Dirceu de Mello.
Outra motivação da greve, que também é extremamente importante, é a falta de ética da professora. Antes da eleição os três candidatos assinaram um compromisso, em um debate público denominado “Roda Viva”, de que não aceitariam o mandato se não fossem os mais votados. Depois de tudo isso, Anna não se pronunciou quanto a esse acontecimento por um bom tempo. O pronunciamento só chegou à comunidade universitária por meio de uma entrevista que ela concedeu à Folha de S. Paulo, na qual afirmava que durante o evento se sentiu constrangida e apenas por isso assinou o documento.
A questão do distanciamento da reitora nomeada pela Fundasp com toda a comunidade é também muito presente. Primeiramente, ela foi convidada para uma assembleia no dia 21 de novembro no TUCA. Porém, não compareceu. O Consun, inclusive, a convidou para aparecer em suas duas reuniões realizadas no dia 28. Mas, ela não o fez. Foi representada apenas por um advogado e por uma simples carta. Além disso, os participantes de sua chapa defenderam-na. Entretanto, nada disso supriu a antiética e a falta de moral de Anna Cintra e de seu silêncio. A comunicação dela e da Fundação com os estudantes, professores e funcionários tem se restringido à e-mails, sejam eles ameaçadores ou “conciliatórios”.
Na grande mídia, por sua vez, a voz tanto de Anna Cintra quanto de dom Odilo está mais frequente. O cardeal escreveu até um artigo para o Estado de S. Paulo, no dia 8 de dezembro, no qual dizia: “A universidade católica é, por excelência, um espaço de diálogo cultural, onde ela tem muito a oferecer, ex corde Ecclesiae, a partir do âmago de sua identidade, de sua mensagem e da experiência secular da Igreja”. Com isso, percebe-se a sua intenção de reafirmar e reforçar a ideologia católica na instituição e no seu ensino. Afirma que a PUC-SP “deve realizar as suas atividades de maneira coerente com os ideais, princípios e comportamentos católicos - nem se poderia esperar que fosse diversamente, ou até o contrário disso”. Assim, evidencia sua vontade em silenciar quaisquer movimentos contrários a Igreja ou ao seu posicionamento no mundo. Esse intuito já estava muito claro quando escreveu outro texto para a Folha, um dia antes. Nesse, afirmou não buscar “simplesmente que ela (PUC) esteja alinhada com os valores cristãos, mas que dê sua contribuição específica, como instituição católica, à sociedade paulista e brasileira”. Para ele, essa “contribuição” é relevante ao “convívio democrático”.
Entretanto, uma universidade deve ser um ambiente plural por si só - independentemente de quem está na reitoria e de quem é sua mantenedora. Vladimir Safatle,  professor de filosofia da FFLCH que escreve semanalmente para a Folha de São Paulo, publicou a matéria “Universidade Católica?” na qual defendeu a diversidade universitária com “unhas e dentes”. Iniciou seu artigo da seguinte forma: “A crise na PUC-SP devido à nomeação da terceira colocada em uma lista tríplice evidenciou uma questão mais grave, que não diz respeito apenas ao mecanismo viciado de escolha de reitor. Artigo publicado na Folha por dom Odilo Pedro Scherer demonstra profunda distorção no sentido do que é uma universidade”. Explicou: “Uma universidade não existe para divulgar, de maneira exclusiva, valores de qualquer religião que seja. Ela admite que tais valores estejam presentes em seu espaço, mas admite também que nesse mesmo espaço encontremos outros valores, pois só esse livre pensar é formador do conhecimento”. Para isso, usou como exemplo Voltaire e o anticlericalismo presente em seu pensamento - como ele seria ensinado em uma universidade que é regida pelo cristianismo? Acrescentou ainda que “A universidade, mesmo particular, é uma autorização do poder público que exige, para tanto, a garantia de que valores fundamentais para a formação livre serão respeitados”. Desse modo, registrou sua insatisfação com a intolerância do cardeal.
A maneira como dom Odilo vem ignorando as decisões da comunidade e até mesmo do Consun a fim de manter a “ordem” na PUC nos leva a pensar: será dom Odilo uma personificação do Leavitã na instituição? Leviatã é o soberano da obra de Thomas Hobbes que, por meio de um Contrato Social hipotético, garante a segurança e especialmente a vida de seus súditos, em troca da liberdade deles. Nessa comparação, é importante considerar que esse “contrato” seria o estatuto.
 O soberano, no caso, se deparou com a “multidão”, termo utilizado pelo autor Michael Hardt para evidenciar a força que um povo reunido, reivindicando o autoritarismo do poder uno (ou do “império”, segundo o autor Antonio Negri, que, por sua vez, juntamente com Hardt tem um livro que leva este nome), , tem para a resistência e para a constituição de um poder democrático. Para o funcionamento da multidão, a democracia é aberta a sociedade, onde todos tem o direito de se manifestar, apresentar e contestar suas ideias e opiniões. Dessa maneira, todos trabalham juntos na resolução de seus problemas.
A multidão, então, é a maneira mais eficaz de resistência do poder imposto, seja ele por parte do Estado, seja por parte da Igreja, rompendo com o controle autoritário e retomando a sua autonomia. Essa teoria se encaixa perfeitamente no contexto atual da PUC-SP. A greve (que foi suspensa durante o período de férias) demonstra a força da comunidade puquiana e a sua luta pela democracia - a qual, como indicou Safatle, deve estar presente em qualquer que seja a universidade. Portanto, no momento, grande parte da comunidade representa sim a multidão de Hardt. Assim como a Fundasp e seus participantes e aliados (entende-se aqui a reitora nomeada como uma aliada, haja vista seu silêncio frente à comunidade) representam o império.
Um dos veículos mais utilizados atualmente para a multidão expandir suas ideias é a internet e as redes sociais. Por meio deles são organizados diversos eventos e manifestações, disseminando informações e opiniões que transpõe as redes e tornam-se movimentos em lugares físicos, resultando na participação ativa da população, transformando os indivíduos mansos e pacíficos, em indivíduos participativos. Isso aconteceu em eventos como, por exemplo: a Primavera Árabe, os movimentos Occupy Wall Street em Nova York e Ocupa Sampa em São Paulo, o movimento dos indignados na Espanha e a Primavera Mexicana.
Quando um homem na Tunísia ateou fogo, no próprio corpo no final de 2010 ele não imaginou que aquilo encadearia em uma série de revoltas que dariam origem à Primavera Árabe. O presidente Zine el-Abdine Ben Ali fugiu e foi deposto após governar mais de 20 anos. Isso encorajou outros paises a se mobilizar contra os seus governos ditatoriais. No caso do Egito, o presidente Hosni Mubarak renunciou depois de ficar 30 anos no poder. A Líbia, que demorou mais tempo para conseguir derrubar o regime, tinha Muamar Kadafi no poder a mais de 40 anos e após uma violenta guerra civil, a população viu o governante opressor ser assassinado. O Iêmem também conseguiu que o ditador Ali Abdullah Saleh renunciasse.
Em Setembro de 2011, o mundo viu pessoas ocupando uma praça no bairro financeiro de Nova York, conhecido pela rua Wall Street. O que a população queria era manifestar a extrema injustiça do mundo, assim se reunindo em prol da cooperação, que segundo o movimento é a chave para mudar o sistema. A luta pela democracia, pela não exploração dos trabalhadores, pelos direitos de cada cidadão se tornou mundial e, por isso, mais de 1500 cidades aderiram ao Occupy. Em São Paulo, o Ocupa Sampa levou os jovens à acamparem no centro da cidade.
O movimento dos indignados na Espanha, que tornou-se inspiração para o movimento Occupy explicado acima, começou em Maio de 2011 e se estendeu mais tarde para outros países da Europa, como Paris, Berlim e Lisboa. Tudo começou quando milhares de jovens acamaram na praça central de Madrid, capital do país. Da mesma forma que o Occupy Wall Street se definiu, “los indignados” não se reuniram para protestar contra o governo espanhol e sim contra todos aqueles que no poder desrespeitam a democracia.
Assim como já dito anteriormente, as redes sociais tiveram um papel importante em todos esses movimentos, assim como tiveram durante a greve da PUC. Durante a Primavera Árabe, alguns canais de televisão não exibiam os protestos em sua magnitude, pois estavam ligados ao governo, querendo, portanto, diminuir a pressão social. O meio que as pessoas encontraram para mostrar a verdadeira realidade e de reunir a população contra o regime foi a internet, através das redes sociais. Os movimentos Occupy e indignados atingiu o máximo de países que pode por conta da divulgação feita por redes como o facebook, twitter e youtube. Na PUC, o facebook foi importante para chamar os alunos para as reuniões, assembléias e aulas públicas que seriam realizadas. A agência PUC foi fundamental por transmitir online tudo que ocorria durante a greve, fascilitando que todos estivessem informados.
E é isso que está ocorrendo na PUC. Alunos, professores e funcionários estão se unindo contra o poder autoritário personificado em dom Odilo e Anna Cintra. O estatuto universitário os defende em diversos quesitos. Mas, a legitimidade não. A universidade continuará sendo, em sua totalidade, um ambiente plural. A tradição democrática puquiana não pode e não vai ser deixada para trás. A multidão não deixará.

A manipulação midiática


Para explorar a manipulação midiática é possível utilizar como base argumentativa os estudos de Thompson, Bourdieu e Sartori.  Como foi percebido no caso das eleições de 1986, a qual tinha como candidatos Collor e Lula, o controle da mídia pode influenciar até os fatores de maior importância social de um país inteiro. Nesse pleito, a Rede Globo transmitiu o debate entre os dois possíveis presidentes durante a madrugada, de um dia de semana. Com isso, a emissora dificultou o acesso para a maior parte dos telespectadores. Após essa transmissão foi feito um resumo do debate, com edições que prejudicavam Lula e vangloriavam a candidatura de Collor. Tendo em vista a grande repercussão que a Rede Globo tem na sociedade brasileira, compreende-se o resultado final com vitória exorbitante de Collor. Portanto, é de extrema importância a explicitação desse conceito para o cenário do país.
John Thompson, sociólogo inglês, propõe que manipulação é “por as mãos em algo”. Logo, a mídia não manipula pessoas, mas sim as informações que serão divulgadas à população, já que ela não pode o ser, justamente por ser capaz de tomar decisões autônomas. Os indivíduos possuem, por si só, uma habilidade que os torna capaz de agregar a mídia à sua vida pessoal, pois em seu dia a dia debatem todas as mensagens recebidas pelos veículos de comunicação.
O autor articula o processo de transmissão informativa colocando entre o emissor e o receptor uma flecha, que representa a mídia. Assim, o primeiro pode ser visto como uma ferramenta para que o poder seja eficiente sobre o último. Thompson cria uma tipologia de poderes, são eles: político, econômico, coercivo (de persuasão, força) e simbólico (midiático).     Os quatro se relacionam, porém, dependem do simbólico para se efetivar.
Mesmo com o poder do emissor, o receptor tem intencionalidade, ou seja, poder de resistência. Assim sendo, o sistema entre emissor e receptor do sociólogo, não é matemático. Além disso, esses dois membros podem se confundir, em uma conversa, por exemplo.
“Finalmente, a recepção dos produtos da mídia é fundamentalmente um processo hermenêutico. (...) a recepção de um produto da mídia (...) implica um certo grau de atenção e de atividade interpretativa da parte do receptor.”, dito em “A mídia e a modernidade – uma teoria social da mídia”, na página 44. Portanto, para o autor, a hermenêutica, capacidade de interpretação que permite a idiossincrasia, ou seja, a variedade de pontos de vista a respeito de algo, é o cerne da relação midiática.
Tendo em vista a teoria estruturalista sobre o campo do jornalístico de Pierre Bourdieu, todo espaço reservado para as notícias são insuficientes para representar fielmente a realidade. Por isso, acaba na banalização e na simplificação do fato. Para o sociólogo, o campo jornalístico é determinado e influenciado por um campo político e um campo econômico. As notícias, portanto, quando publicadas são condicionadas diretamente pela força desses eixos.
O indivíduo é condicionado pelo hábito imposto pela Indústria Cultural a ter uma percepção da realidade de forma simplificada, ocupando seu tempo com banalidades. Para ele, as notícias são recortes e interpretações passadas adiante que reduzem o real. Sua metodologia de análise televisiva avalia a reportagem perante dois fatores: o primeiro de apenas descrever o acontecimento e o segundo, além de descrever, apresenta também um comentário, uma interpretação, induzindo o telespectador a receber a notícia já condicionada por outros interesses, econômicos e políticos influenciando em sua opinião.
Bourdieu ao analisar a grande capacidade de audiência que a televisão pode atingir reflete, em “Sobre a televisão”, na página 63: “Quanto mais um órgão de imprensa ou um meio de expressão qualquer pretende atingir um publico extenso, mas ele deve perder suas asperezas, tudo o que pode dividir, excluir (...), mas ele deve aplicar-se em não ‘chocar ninguém’, como se diz, em jamais levantar problemas ou apenas problemas sem história.”. Desse modo, esse veículo de comunicação segue “um roteiro”, ou seja, transmite, na maior parte das vezes, o que o telespectador quer e está habituado a consumir. Toda essa lógica se insere na Indústria Cultural, que transforma o ordinário em extraordinário.
O italiano Giovanni Sartori analisa em seu livro “Homo videns” o vídeo e sua interferência na vida humana. O sociólogo ataca a Industria Cultural, se concentrando no surgimento da televisão, que acabou mudando a forma com que o ser humano compreende o mundo.
            Segundo Sartori, o que diferencia o Homo sapiens dos demais primatas é a sua capacidade simbólica. O filósofo alemão Cassirer diria que isso é possível por causa do desenvolvimento humano através da língua, do mito, da arte e da religião; todos estes compreendendo as formas da vida cultural do homem. A capacidade simbólica do homem se dá pela linguagem, que por meio dos signos produzem um significado.
            A diferença da linguagem humana é que ela pode falar de si própria, a metalinguagem. Assim, ele reflete sobre aquilo que diz e como irá dizer. Por isso, a língua não é somente uma forma de comunicar, mas também de pensar. Essa teoria pode ser contestada pela maneira que o homem vive com os avanços tecnológicos de hoje.
            A invenção da televisão é a que mais interessa para a análise do autor. Até então, o ser humano tinha duas direções de visão extra-humana: o microscópio e o binóculo, que atuavam inversamente. A televisão e mais tarde a cybercultura possibilitaram a visão do homem sem ele precisar ir até o local para ver. A cybercultura vai mais além porque possibilita a criação de universos imaginários.
            Com a TV a natureza da comunicação, antes sendo a palavra impressa ou radiotransmitida, é incorporada pela imagem. Assim, Sartori acredita que ela deixa de ser um acréscimo para o homem e passa a substituir, invertendo a relação entre compreender e ver. A televisão cria um novo tipo de ser humano. A “videocriança”, como é denominada, ao se tornar adulta continua surda aos estímulos transmitidos pela cultura escrita, atendendo somente aos estímulos audiovisuais.
            Ao inverter o progredir do mundo sensível para o inteligível do ser humano, ela atrofia a capacidade de abstração e compreensão, produzindo imagens e apagando conceitos. O autor cita Kant, que dizia que a ideia é um conceito necessário da razão, ao qual não pode ser dado nos sentidos qualquer objeto adequado, portanto aquilo que vemos com os sentidos não produzem e sim insere-se em conceitos. O Homo sapiens é suplantado pelo Homo videns.
            A política nesse âmbito se transforma em videopolítica, pois a TV informa através das notícias sobre a política local e mundial, ao mesmo tempo em que diverte e distrai. A televisão é formadora de opinião, condicionante do processo eleitoral e do governo. As pessoas em frente a tela ficam cada vez mais distantes da criticidade.